Uma das idéias mais dolorosas e
nostálgicas que podemos ter é pensar que o ser humano, como espécie, possa vir
a desaparecer da face da Terra. E, com o desaparecimento, perder toda a nossa
cultura, toda a nossa história, toda a nossa teologia, toda a utopia que sobre
nós mesmo construímos.
Estarão perdidos para sempre as
promessas de Cristo, as obras de Shakespeare, as pinturas renascentistas, os
poemas de Pessoa, os últimos avanços da informática. Tanto mais dolorosa esta
idéia, quanto mais pensarmos que a trágica situação pode estar bem ali, no
horizonte próximo da condição humana.
Não porque um avatar, após
levitar sete dias e sete noites sobre ondas de fogo-fátuo dos dejetos do mundo,
tenha previsto que o fim esteja próximo. Não porque um profeta descalço e
barbudo, após passar quarenta dias e quarenta noites no deserto, bebendo água
do sereno e se alimentando de gafanhotos desentranhados da areia, tenha
concluído que os cavaleiros do apocalipse já estão com o cenário montado, a
mímica treinada à exaustão e o texto na ponta da língua. Não. Não é nada disso.
Os sinais do desastre planetário,
sem mistificação nenhuma, estão por toda parte. Nós, humanos, somos uma praga
na biosfera. Assim como um câncer no organismo, que tende a lançar metástases
em todos os confins, abrindo novas sucursais de dor e bases de lançamento para mais
ocupações. O câncer, em sua sanha colonizadora, acaba por aniquilar seu
hospedeiro e morre juntamente com ele. O câncer não sobrevive à sua vítima. Na
atual era geológica, nós somos o câncer do planeta.
Mais eficiente que nosso corpo, o
planeta tem seus mecanismos de se defender das pragas que sobre ele
vicejam. Acredita-se que, 65 milhões de
anos atrás, a Terra valeu-se de um meteoro para se livrar do câncer da vez: os
dinossauros e mais alguns milhares de espécies inconvenientes.
Agora, que já aproximamos dos
oito bilhões de indivíduos da espécie, atingindo dimensões de praga bíblica, a arma
contra nós já está engatilhada. Trata-se do aumento
da temperatura média dos oceanos e do ar ao redor do planeta onde se desenvolve
a vida, conseqüência da atividade humana, especialmente pela queima de
combustíveis fósseis. Mas que atende pelo singelo pseudônimo de Aquecimento
Global.
Incrível como a natureza humana
conspira a favor da tragédia. Assim como outras espécies, nós não temos
controle sobre nosso destino. Nossas forças ética e moral estão subordinada às leis de mercado. E o
mercada não enxerga nada que não cheire a lucro. No mais quer mesmo é ver o
oco.
Veja só que ironia. O sonho do
mercado é aparelhar grandes contingentes de massas frugais como os povos da
China, Índia, Paquistão, Congo etc. para se tornarem mercados consumidores no
nível dos americanos. O mundo não tem potencial para gerar matéria prima para
tanto consumo, por tempo considerável.
O mercado investe cada vez mais
no luxo da embalagem, mesmo que seja para acondicionar soro, água oxigenada e
soda cáustica, ao invés de leite. Embalagem esta que vai emporcalhar o meio
ambiente, em volume superior à sua capacidade de absorção.
Mesmo diante do desastre à vista,
o mercado insiste em fabricar carrões cada vez mais possantes para pessoas cada
vez mais individualistas. E os governos, de olhos grandes nos impostos dos
carros e dos combustíveis, menosprezam qualquer possibilidade de investimentos
em transportes de massa, ou mesmo na adequação do transporte individual.
O Brasil, por exemplo, insiste em
detonar seus biomas, que são mecanismos naturais de proteção contra o
aquecimento global. Sonha transformá-los em desertos verdes, liquidando com as
espécies de mútuo apoio, para a produção de biodiesel. Visando com isso, única e exclusivamente,
tirar proveito financeiro do desatino do transporte individual.
Ironia maior é a ferramenta de
autodestruição que a própria Natureza está entregando nas mãos do homem. E o
homem, cego de ambição, nem percebe o ardil. A queima do petróleo até agora,
com a liberação de CO2 na atmosfera, provocou o degelo de vastas extensões nas
calotas polares. A redução da manta de gelo no Ártico possibilitou o acesso a
gigantescas jazidas de petróleo, até então guardadas em segredo.
Se a ciência estiver correta em
seu diagnóstico, não precisaremos de mais nenhuma arma para o suicídio da
espécie. Antes que acabemos de queimar o petróleo recém-descoberto, acelerando
nossos carrões-vitrines-de-status, teremos torrado o planeta, como a cabeça de
um palito de fósforo Fiat Lux.
E a Natureza, milhões de anos
mais tarde, com a paciência que só ela tem, retomará o curso normal de semeaduras
de vida. Obviamente livre para sempre de uma espécie daninha e arrogante que se
autodenominou Homo Sapiens e se julgava senhora do próprio nariz.
Talvez mais dolorosa e nostálgica ainda, Edival, seja a saudade do futuro que há em cada um de nós que nos julgamos - quase sempre acertadamente - poetas...
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