Em visita recente à casa do poeta Carlos Willian, meu
conterrâneo, descobri que ele guarda entre os móveis um objeto
extraordinariamente fantástico: um descascador de laranjas. Você há de
contrapor e até aventar que talvez eu já esteja acometido pelos enganos da
idade, pois nada pode haver de extraordinário num mecanismo tão fajuto quanto
um descascador de laranjas, que não passa de um prendedor acoplado a um sarilho
que, por tração de manivela, faz a laranja rodar rente a uma faca goiva que,
por sua vez, é sustentada por um braço móvel, cuja pressão é feita por uma mola
ordinária. Simples, simples.
Mas não foi assim que vi o mecanismo pela primeira vez. Eu
devia ter uns oito, nove anos, quando meu pai me levou pra ver a cidade. A
gente já havia mudado do sertão profundo para um sertão mais raso. De mais ou
menos 60 km, trilhas apagadas, para 10 km de estradas bem definidas. Agora, de
casa até Iporá era um pulo, bem dizer. Meu pai pegou emprestado um primo um
cavalinho pampa, que foi ataviado com um arreio lombilho, com a ponta da
enxerga sobrando para trás, a me servir de garupa. Além de meu pai e eu, o
cavalo levou um saco de arroz de 60 quilos, dividido em dois, atrelado sobre o
arreio, para ser limpo a máquina, com importantes benefícios para mim. Era eu que diariamente socava o arroz no
pilão.
Fui me extasiando com tudo, os carros, as charretes, os
postes com luz, a rua calçada com pedras, as casas de parelha, o comércio, as
esquinas, as pessoas em movimento. A patrola da prefeitura aplainando uma rua
me pareceu um monstro. Meus primos já me haviam descrito a cidade, mas concluí
que eles tiveram a intenção de me enganar. Nada era parecido com o que eles me contaram.
Meu pai deixou o arroz na máquina, mas antes teve o cuidado
de me mostrar o funcionamento. Achei muito doido. Como alguém teve a sabedoria
de fazer um troço daqueles? Fomos à feira enquanto o arroz era limpo. No meio
do alvoroço, vi um sujeito fazendo algodão-doce, tocando uns pedais. Achei
interessante, não tanto quanto a máquina de arroz.
Eu ainda olhava o algodão e meu pai me apontou para um
camarada que descascava laranjas. Para dar sumiço à fila de clientes, fazia
tudo com rapidez. Parece que ele tinha levado o ofício a uma condição de mágica.
Prendia a laranja com um só movimento, rodava a manivela numa velocidade que a
gente nem via a mão dele, enquanto o sumo exalava um cheiro bom pela feira e a
fita da casca caia inteira num caixote. Com outro movimento pegava a laranja,
que agora parecia uma obra de arte e fazia a tampa com um canivete,
repassando-a ao freguês. Aquilo me parecia superior a tudo o que tinha visto
antes. Tive vontade chupar uma, mas a gente não tinha dinheiro.
Perguntei meu pai se eu podia pegar umas fitas de casca para
mostrar ao pessoal de casa. O dono da banca escutou e permitiu com um aceno de
cabeça. Daí a pouco ele me perguntou se eu queria também uma laranja, eu disse
que não tinha dinheiro. Perguntou a meu pai se podia me dar uma que, meio sem
jeito, admitiu. Levei pra casa a laranja inteira e a casca em forma de uma
longa fita. A primeira pessoa a quem mostrei foi minha avó que, embasbacada
diante do que via, ponderou:
- É...O mundo tá mesmo perto de acabar!
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