Fazia tempo, muito tempo que eu não via Valentina. Acho que a última vez que a tinha visto foi na solenidade de colação de grau, no curso de Direito na década de 70. Era uma pessoa marcante pela presença, beleza e disposição bem humorada. Era do tipo que perdia a amizade, mas não botava a piada a perder. Ainda me lembro de sua última blague: para mim que fiz o curso inteiro sem colar, colar o grau é quase uma ofensa. A tirada estava no fato de que colara todas as provas e assinara os trabalhos em grupo, sem participar. Apesar do tempo, me lembrava de seu nome por inteiro: Valentina Dutra Tresvenzolh, com esse estranho h no final.
Tina era uma moça bem saidinha. Para ser franco, era
homeranga mesmo. Ela se desculpava: quem mandou botar esse h (de homem,
obviamente) a mais no meu nome?! Acho que ela pegou todos os bonitões do
Direito e adjacências. Dançamos na festa da saudade. Ela ainda me jogou um h:
sabe que depois que você casou até que pegou uns quilinhos a mais e tem alguma
coisa que se pegar, além dos ossos?!
Cada um pro seu lado, depois da formatura. Anos depois
eu soube que ela, que não aprendera muita coisa no curso, tinha se casado com
um homem mais velho, um milionário político do interior. E que continuava
curtindo a vida adoidado, com viagens para Miame, Dubai, Paris, Tailândia e
gastando sem limites.
Agora encontro com ela num cartório e lhe pergunto ao
seu estilo: uai, resolveu advogar? Que nada, disse. Estou acompanhando o
inventário de meu finado esposo.
Pelas roupas e jóias, e o brilho da pele, devia estar
financeiramente bem arranjada. Estava um pouco estragada pelo tempo. Mas, pelo
susto que levou, ao me ver, devo estar mais estragado do que ela. Me disse que
tem acompanhado minhas presepadas literárias pelas redes sociais e quis saber
se eu ainda trabalhava ou só escrevia. Percebi que seu humor permanecia
afiado: esse “trabalhava” tinha um quê
de malícia. Perguntamos pelos filhos e
ela me disse que tinha quatro filhas. Um exagero para quem queria só um filho. Ocorre
que o casal queria um menino-homem. Veio uma menina. Arriscaram de novo. Veio
outra menina. Tornaram a arriscar em busca de um príncipe. Aí vieram gêmeas.
Para não perder a oportunidade de zoar, Tina se postou
em posição superior, um pouco zombeteira: Em uma coisa pelo menos aposto que
você nem chega perto de mim. Poucas pessoas, no mundo, têm mais genros do que
eu.
Como assim? Perguntei.
Tenho 23 genros. Como minhas filhas são mestras em
casar e separar para casar novamente, a soma de seus maridos e ex já chega a
23. E como você sabe mais do que eu, pela lei não existe ex-sogra. Logo, não
existe ex-genro. Genro e sogra são para sempre. Elas dizem que a culpa é minha.
É sempre da mãe. Como a gente desejava menino e vieram meninas, elas não seriam
desejadas. Agora elas buscam no casamento suprir essa carência do amor dos
pais. Como nenhum homem as deseja a ponto de preencher essa lacuna, os genros
vão aumentando de enfiada.
(Publicada no jornal O Popular em 6 de outubro de 2012).
"Zoar": Houaiss: séc. XIV; ETIM orig.onom., talvez alt. de "soar"; ver "retumbar" - este charmosíssimo termo lá do Velho Mundo quase só se escuta nos arredores de Iporá (em Palestina de Goiás, então, é endêmico!)... Crônica saborosa, tonitruante! Essa tal de "Tina" saca pra caramba da vida! Levou uma baita de uma rasteira, hem, mestre Edival? Não precisa responder... (risos)
ResponderExcluir