Cara com cara de cará-moela

Aê, maluco! Até quando vai ficar aí parado, nessa esquina da vida, esperando abrir o sinal dos tempos, para atravessar a rua que o separa de suas aspirações? Até quando, maluco, vai ficar aí encaramujado, encolhido feito um cão sarnento, olhando de canto, pela fresta do próprio canil? Até quando, maluco, vai ficar de cócoras, dentro dessa concha de ostra, desse casco de cágado, dessa redoma de isopor?
A vida é como água, maluco, precisa correr, quebrar nas ribanceiras, mudar de estado, congelar, ferver, evaporar, virar nuvem, converter-se em chuva ou granizo, adentrar os lençóis e retomar o córrego novamente. A vida requer movimento, sob pena de virar uma poça infecta de larvas de mosquitos da dengue, cheia de lama, lodo e outras podriqueiras insalubres.
Vá, maluco, vá correr atrás da própria sina. Vá inventar sua ventura. Vá esculpir sua realidade. Toda realidade é inventada. A mentira é inventada. A verdade é inventada. A vida vivenciada é uma invenção. Corra atrás, maluco, vá inventar a sua. Sob pena de você chegar atrasado a todos os eventos que a vida pode proporcionar, ou nem mesmo chegar a um deles. Porque essa história de que quem espera sempre alcança é lema de aranha que já armou sua teia, no corredor do vento dominante e sabe que por ali irão passar as nuvens dos insetos mais suculentos.
Quem espera sem luta dorme no ponto, desmorona, definha-se dentro da própria concha e, quando você acordar para o movimento da vida, seus contemporâneos já estarão tão longe que jamais poderão ser alcançados por um tiro de fuzil, por um grito de desespero, nem mesmo por uma mensagem de email. E você sentirá desgarrado, solitário, ressentido, uma verdadeira ovelha negra bíblica. Aquele que veio ao mundo para não dar certo, só para provar que a espécie humana é inviável.
Saia dessa gaiola familiar, desse conforto mesquinho, deixe a barra da saia da mamãe, a mesadinha amarrada do papai e vá cavar sua sorte nas jazidas do mundo. Você vai ver, maluco, que tudo o que reluz pode mesmo ser ouro.
Aproveite essa manhã, maluco, que vem vindo de dentro da noite, com suas flechas douradas, afie seus músculos e asas entorpecidas e alce o voo mais arrojado, altaneiro, panorâmico. Aguce sua visão e veja a paisagem corriqueira por um ângulo que você nunca vira antes. Vá, maluco, buscar outras paragens, outras planícies, outros vales. Sobrevoe os charcos e as cordilheiras. Enfrente a brisa e a tempestade, o sol e a chuva, o direito e o avesso das situações que virão. Cruze os mares distantes, aqueles que você jamais suspeitou que houvesse.
Vá, maluco, a vida nos vem sem tempero. Você mesmo é que há de temperar sua vida.   Vá, a vida é uma só. Se não bem aproveitada, há de parecer insuficiente. Se dela fizer bom uso, no entanto, será mais do que o bastante para viver e fazer tudo o que é capaz de deixar um ser humano pleno de si. Vá, a vida é um relance, um relâmpago, uma explosão da natureza. Seja o estilhaço de si mesmo e atinja o quanto antes os objetivos que o sonho lhe der.
Vá, maluco, enquanto é tempo. Sem caraminholas. Ou vai ficar aí parado, feito o cara com cara de cará-moela?  
 
(Publicado no jornal O Popular, Goiânia, Goiás em 15 de dezembro de 2012).

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