Num dia pré-universal, o Senhor amanheceu particularmente
inspirado, como um poeta em seus momentos de intenso delírio. Sentiu que o
verbo criador estava maduro, pronto para eclodir de sua garganta. Viu-se
convicto de que toda e qualquer ordem sua, por mais ampla e custosa quer fosse,
seria cumprida de pronto, em regime de estalo. Abrigava em seu peito uma
confiança terapotente. Emanava-lhe dos poros a sensação vibrante de que estava
em plena posse do domínio do fato. Queria extravasar, botar para fora toda
ânsia, toda angústia que antecede a uma criação fenomenal, como aquela que de
alguma forma azucrinava os nervos de Deus.
Com gestos largos que só Deus pode ter, mandou vir os
repórteres da CNN com sua parafernália parabólica, os repórteres de agências
intergalácticas, além dos correspondentes de quasares e buracos negros.
É claro que essas coisas ainda não havia, para nós
seres humanos que também não havia. Mas para Deus, que é onisciente, não existe
futuro nem passado: tudo é presente. E para quem tudo é presente, é
perfeitamente factível impor que se reúnam no mesmo lugar e na mesma hora, coisas
que para nós, seres limitados, pelo espaço e pelo tempo, apareçam em momentos
diversos e não podem ser reunidos no mesmo cenário de um acontecimento.
Ele é o senhor de todos os conceitos, de todas as
lógicas, de todas as sinfonias, de todas as confluências e dispersões, de toda
sístole e toda diástole, da força que explode tudo e da força contrária que pode
reduzir o universo inteiro a um único grão de mostarda pulsante. Deus é o
camarada que faz das coisas impossíveis possibilidades corriqueiras. Por isso
Deus poderia convocar quem ele quisesse. E Ele querendo, todas as pessoas e
coisas por ele convocadas haveriam de dar o ar da graça naquele exato momento,
no cenário de criação do fato que o próprio Deus determinou que fosse, sobre o
vazio pré-universal. Deus é o senhor de
tudo e também do nada.
Como Deus quis, vieram as equipes midiáticas, do
oriente e do ocidente: de pichadores de caverna, gravadores de pedra lascada, de
escritas cuneiformes, de pergaminhos, de jornais, de rádios, de TVs, de
internets e outras mídias que ainda não logramos apalpar, com suas traquitanas
gráficas e de áudio e vídeo e de holografias. E os repórteres atentos não
perderam um só detalhe daquela proeza divina, realizada naquele instante, num
átimo de suprema excitação em que numa só golfada ejaculou toda a tranqueira
cósmica.
As reportagens produzidas naquele dia estão aí até
hoje, até sempre, sendo reprisadas aos olhos de uma platéia, às vezes
extasiada, às vezes distraída. Você pode
até nem acreditar, mas o vai-e-vem dos mares, o nascer de uma criança, um olhar
de ternura, a brisa a sacolejar os matagais, a conquista de um sonho, um ato de
bravura, um pôr-do-sol detrás das dunas, uma flor brotando das cinzas do
cerrado, uma noite de lua, um amanhecer de sol, uma chuva no meio da tarde, um
rio correndo, a neve coando sobre a paisagem, uma noite estrelada, um meteorito
rasgando o céu, uma invenção espetacular, um feito extraordinário, a vida
ordinária e até mesmo nada acontecendo. Tudo isso, mas tudo mesmo, são
reportagens produzidas pelas equipes primevas convocadas pelo Senhor, para
cobrir os momentos cruciais da criação.
(Publicado no Jornal O Popular - Goiânia - Goiás em dezembro de 2012).
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