Um homem e duas mortes

Agora recente, no Irã, um sujeito chamado Alireza ( só  mesmo sendo Ali Reza,  reza braba, pelo milagre que aconteceu) foi condenado à morte por crime de tráfico de drogas. Julgado sumariamente, enforcado, no capricho, foi dado como morto, depois de 12 minutos pendurado no patíbulo. 

No dia seguinte , quando a família enlutada foi buscar o corpo no Instituto Médico Legal de lá, o atendente, não sem algum assombro, percebeu que havia umas bolinhas de ar no plástico que o envolvia. Ninguém poderia acreditar: mas o que era para ser morto estava vivo. 

Os familiares do morto, agora vivo, rejubilaram-se em reaver o ente querido. Renovaram as esperanças de que sua pena pudesse ser perdoada, pois já existem precedentes, raros, mas existem, em que condenados a morte por apedrejamento sobrevivem ao suplício e recebem o direito de viver o resto da vida. 

Mal humorado, o governo teocrático iraniano já determinou: assim que o condenado convalescer da primeira execução será re-executado. Pensei, se é pra matar, porque não mata o sujeito doente mesmo? Seria poupado da TPR (tensão pré-re-enforcamento). Depois, pensando melhor, eles estão certos. 

O camarada vai ser morto para cumprir um objetivo: dar exemplos à sociedade, e assim evitar que outros venham a delinquir. Nós também, quando matamos com objetivo, evitamos matar um indivíduo doente. Não me refiro à pena de morte, porque nossa lei não contempla (a não ser nos casos de abate de aeronaves ou inimigos de guerra em combate). Mas quando vamos matar um animal com o fim de lhe consumir as carnes, (um porco, uma galinha, uma vaca), se estiver adoentado a gente trata dele até ficar bom. Depois, crau! Não sei se as duas situações têm alguma correlação. Mas foi assim que pensei. Também devem ser diferentes os pensamentos básicos de um muçulmano comparados com os de um cristão,  de um budista ou mesmo de um candomblé.

De qualquer modo, assim que convalescer, Alireza será pendurado de novo. E desta vez com mais cuidado, senão desmoraliza o regime. Os chineses, que não têm religião (só uns poucos são budistas), são mais práticos nesse quesito: nada de apedrejamento, nada de enforcamento. É tiro na nuca, e ponto final. 

Já imaginou se esse entrevero tivesse ocorrido em Mundocaia?  Não sei se vocês sabem, mas lá também tem pena de morte. Não é oficial, mas tem.  Se fosse em Mundocaia, esse Alireza diria que na hora de puxarem a corda ele gritou o nome de um beato qualquer.  Assim a Igreja teria uma prova inconteste de um milagre operado pelo dito beato. E agora o Vaticano pode promovê-lo a santo. Mundocaia ergueria um templo no local do enforcamento frustrado, em honra do santo novo e a cidade viraria um destino de peregrinações. Os comerciantes de lá dariam graças a Deus, porque poderiam explorar os turistas religiosos em buscas de novos milagres. Da mesma espécie do que salvou Alireza do suplício de enforcamento.
Azar de Alireza! Quem mandou não nascer  longe de Mundocaia?!  

(Publicado no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em novembro de 2013)


  

0 comentários:

Postar um comentário

Obrigado por comentar. Logo que eu puder, libero e respondo o seu comentário.