O susto de um encontro inesperado

Se a gente passasse muito tempo, tipo 30, 40 anos, sem ver a própria imagem  nos espelhos ou nas fotografias, por certo quando a gente desse de testa com a  imagem refletida, cairia de costas pelo susto. Tive esta experiência anteontem. Encontrei uma antiga namorada, dos tempos colegiais. Ela me reconheceu primeiro e só consegui me lembrar dela depois que se identificou. Mas percebi de imediato o horror estampado na cara daquela mulher que encontrei casualmente. Era com se eu tivesse a cara esbagaçada por uma bala perdida e mesmo assim zanzasse pela rua.

Suponho que sua cara de susto equivaleu à que Barak Obama fez ao puxar a capivara da presidente Dilma, em seus atos de espionagem amiga. Antes que digam que estou injuriando a presidente, explico: “capivara”, na gíria policial, é aquela biografia depreciativa, de passagens pela polícia e atos infracionais cometidos, que a polícia civil costuma guardar das pessoas. Nada tem a ver com mulher desajeitada. 

Ela (a antiga namorada) me disse, querendo ser legal: Você está bem, bonitão. Parece uns dez anos mais novo. Mas eu que sei, ou pelo menos julgo saber a leitura das expressões  faciais e corporais, não foi nada disso que ela pensou a respeito de minha triste figura. Muito pelo contrário. Ela me achou foi só a capa da gaita, ou o pó da bactéria e não me estranharia que, pela sua expressão mais de pavor que de surpresa, tenha me achado pelo menos uns 20 ou 30 anos mais velho do que sou na realidade. 

Em compensação eu não a achei tão velha assim. Só achei que não era ela. Porque nada nela é original; a não ser o pecado e a certidão de nascimento. Ela está ocupando uma circunferência muito maior. Está mais baixa, os peitos estão empinados de uma forma escrota, a bunda está avantajada e alegre, seus olhos estão repuxados e verdes. Nos tempos de adolescente,  seus peitos era miúdos, sua bunda era quase uma tábua de passar, seus olhos eram piedosos, cor de xarope na contraluz. Os cabelos eram longos, castanho-escuros, agora estão curtos,  loura-palha.  Os dentes eram pequenos e embaçados, agora são longos e da mais alva porcelana. A voz dela era delicada e doce, agora está esganiçada e acre como a de uma cortesã de arrabalde. 

Outra coisa que notei é que ela está muito mais liberal, espontânea. Quando a gente namorou, para tirar dela um beijinho tivemos que comer muito hot-dog no quiosque da esquina e para um amasso de jeito, quanta pipoca tivemos que consumir no escurinho do cinema!     

Agora, não. Mesmo me achando uma bucha de laranja depois do coice, me abraçou com fome, me piscou insinuante o olho direito e me falou que precisávamos encontrar mais vezes para concluir umas coisinhas que não tivemos a capacidade de terminar naquela época. Eu lhe disse que sim. Mas se ela aprendeu a ler gestos e expressões corporais, terá percebido que eu disse que não.

A lição que tiro é que é uma bênção a gente ter espelhos por todo lado que anda e com a proliferação das máquinas fotográficas nos celulares a gente se vê nas fotos quase que diariamente. E vai se acostumando. Não fosse assim, de tempos em tempos, a gente teria motivos era para pânico. E até usar luto fechado.    


 (Publicada no jornal O Popular - Goiânia - Goiás  em fevereiro de 2014)

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