Somos um bicho basicamente ambicioso. Certamente o mais ambicioso de
toda a fauna terrena. O mais modesto dos seres humanos é capaz de
sustentar ambições descomunais: a de ser acolhido no céu e se sentar ao
lado direito de Deus-pai t todo poderoso e curtir a magnitude eterna do
criador.
Mas não por enquanto. Isso depois de aprontar as suas aqui
na terra, de haver bebido todas, comido todas, de haver experimentado
todas, quando seu corpo estiver só um caco e não puder lhe proporcionar
mais nem meio orgasmo que seja.
É bom que se diga que a instituição
Vida é ambiciosa por si mesma. Veja que a ambição está espalhada por
toda a natureza. Aliás, essa ambição é a base de sustentação da vida. Um
agricultor que plante um grão de milho logo vê que ele se transforma em
milhares. No segundo plantio, aquele único grão já pode ser
transformado numa pequena lavoura. Na terceira, muitos acres de terra já
podem ser plantados com os descendentes daquele único ancestral. De tal
forma que, não fossem desviados os descendentes para consumo, em poucos
anos todas as terras agricultáveis do mundo poderiam ser ocupadas pelos
filhos daquele único grão primitivo. Isso é ou não é uma forma de
ambição da vida em sua manifestação vegetal?
Uma mulher em toda a
sua vida fértil é capaz de produzir quase meio milhar de óvulos maduros.
Já o homem pode lançar até meio milhão de espermatozóides por
ejaculação. Quanta ambição, meu Deus! Para que tantos óvulos? Para que
tantos espermas? Se um casal hoje em dia se restringe a ter apenas dois
ou três filhos?
Parece que a ambição está na base evolutiva da
vida. O milho, com tantos grãos, há de se esperar que, por meio de algum
jogo seletivo, apenas os mais aptos lograrão ser lançado ao solo e
reproduzir, numa melhora contínua da espécie. Óvulos e espermas em
profusão, pela mesma forma: com a espécie hoje melhor que ontem, amanhã
melhor que hoje. Descontada aí a erosão genética que, quando supera a
melhoria evolutiva, cai no princípio anti-kaizen de Schopenhauer : hoje
pior do que ontem, amanhã pior do que hoje, até sobrevir o mal
definitivo.
O excedente do milho serve para fazer etanol ou tratar
de porcos. Os óvulos fecundados excedentários servem para se retirar
células-tronco. Com o excedente de gente se faz guerras e até se
constrói sistemas políticos democráticos. E só para lembrar Nelson
Rodrigues: democracia é um negócio fadado ao fracasso, pois o que vale é
a opinião da maioria e a maioria é sempre ignorante. No entanto, quando
a opinião da minoria é que prevalece, temos a ditadura, coisa que a
maioria abomina: um ponto de contradição sociológica.
Cronista sem
assunto tende a virar filósofo barato. Mas a ambição da Vida nos permite
a continuidade e a melhoria. A ambição no âmbito social nos permite o
processo civilizatório. Sem os excedentes econômicos, sem a construção
de obras cada vez mais adequadas ao desenvolvimento, como o saneamento
básico, por exemplo, a vida para o ser humano ainda estaria um tanto
insalubre. Por outro lado, a ambição, pode nos levar ao esgotamento dos
recursos naturais e à poluição do que resta.
É neste fio de navalha, entre a ambição e a moderação, que a civilização acontece.
Como sempre, um excelente texto, com direito a um jogo de palavras genial em que o o grão de MILHo vira MILHares, a uma autocrítica cruel em "cronista sem assunto tende a virar filósofo barato", mas, acima de tudo, com um toque otimista na frase final, ao admitir que, pelo menos, a civilização "acontece" (alguns entenderão que ela funciona, o que, a meu ver, é coisa bem distinta!).
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