A linha da vida

Não há nada mais difícil no mundo do que seguir a linha. Até porque a linha na vida real é imaginária, diferente daquela da mitologia que era real e segurável, ainda que dentro do mito. A linha de um não tem as mesmas aparências da linha de outro. O que para um é encontro para outro é perdição. Para uns a linha está no meio, entre o permanente e o transitório. Para outros ela está na lateral, no tufão das coisas que passam. Para outros está na lateral oposta, no miolo das coisas que tendem a permanecer.
Para uns a linha está na profissão, para outros na vadiagem. Para uns está na virtude, para outros no vício. Para uns está no sossego, para outros na inquietação. Para uns está na parcimônia para outros na prodigalidade. Para uns, na prudência; para outros, no esporte radical. Para uns, aprisionados na corrente; para outros, no pleno voo livre. Há aqueles que encontram a paz até na frente de guerra e há aqueles outros que entram em parafuso no plácido sossego do lar. O que para um é riso, para outro é choro e ranger de dentes. O que para um é leite e mel, para outro não passa de fel e absinto.
Então, o que podereis vós, pais e mães, mestres e outros aconselhadores do mundo, fazer pelos seus pupilos? Como podereis dizer com firmeza nos olhos, certeza no coração e confiança no futuro de que a linha a seguir é esta e não aquela. De que o troféu da vida está neste e não naquele pódio, ou mesmo que determinado pódio é feito de corrupção e lama e quem nele subir estará é se afundando no labirinto infernal da existência.
O pai, normalmente, tende a indicar ao filho a linha que ele próprio (pai) traçou para si, ainda que seja chinfrim e enfadonho. Ou, quando muito, sugerir ao filho a trajetória que ele sonhou para si e se frustrou e agora quer realizar no filho o que ele mesmo não deu conta. Montei do zero uma grande banca de advocacia. Agora é só você seguir meus passos, não deixar a peteca cair. A vida será um mar de rosas. Ou, eu sonhei ser diplomata, mas não tive chances (insinuando que as forças contrárias vieram de fora e não de sua flacidez de determinação). Agora eu lhe dou condições e você poderá ser o diplomata que eu não fui. Não há coisa melhor no mundo do que ser diplomata. E o filho apenas sonhando em ser crupiê de cassino em Las Vegas, ou mesmo num clandestino, no entorno de Brasília.
Já a mãe quer que o filho seja qualquer coisa, ainda que decididamente medíocre, desde que seja feliz. E felicidade para ela implica em não sair da barra da saia, não andar de patins com os meninos da rua de baixo, não conversar com a turma do outro bairro, não cruzar a linha de comodidade. A linha da mãe é a linha da comodidade. 
Eu me lembro que aos 11 anos, quando consegui meu primeiro enxoval de estudante e marchei para o meu primeiro dia de grupo escolar, minha avó muito brava chamou minha mãe às falas: Esse moleque perdeu a linha. Se você não quebrar o queixo dele agora, ele nunca mais vai pegar num cabo de enxada.
Minha avó tinha razão. Mas, mas na medida em que eu perdi a linha dela, achei a minha própria.
 
(Publicado no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em 20 de setembro de 2012)
     

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