Menino no sertão, qualquer novidade era motivo de
espanto. Eu me espantei com o rádio, o pente de plástico, o picolé de groselha,
a máquina de descascar laranja e as barras de ímã. Mas o que me deixou
realmente perturbado foi a primeira vez que meu pai me levou para conhecer o
escafandro dos garimpeiros do Rio Claro.
Um sujeito, que parecia bruto, vestia aquele macacão
de cobre (ou seria de zinco?) com uma viseira de vidro, ligado na nuca por uma
mangueira de borracha a uma roca sobre a canoa, onde ficava outro camarada
rodando a manivela, com parcimônia e ritmo, para lhe fornecer o ar da
respiração. O mergulhador, arriado por chapas de ferro para se fixar no fundo
do rio, munido de ferramentas e muita disposição, descia aos abismos e de lá
enviava embornais de cascalho, onde supostamente dormiam os cobiçados
diamantes.
Encabulei tanto com aquela traquitana que meus sonhos
de voar que nem os urubus de setembro se converteram em pesadelos durante
muitas noites. Eu me via de escafandro, encalacrado entre pedras no fundo do
rio, enquanto o da manivela atendia às urgências do intestino, num matagal
vizinho. Acordava suado e sem fôlego no meio da noite, com minha mãe me sacudindo.
Narrei a perturbação pro meu pai. Ele riu de mim e me chamou de mofino. Hoje
talvez me arranjasse um psicólogo.
Meses depois, meu pesadelo ganhou auras de premonição.
Os sujeitos do escafandro eram irmãos e sócios no garimpo, e atuavam como
meias-praças do senhor das terras onde morávamos. O trabalho era insano e o
resultado parecia blefado. A não ser alguns xibios, esses diamantinhos que só
servem para cortar vidros, nada pegaram durante meses. A estação das águas já
se aproximava e o garimpo teria de ser suspenso. O fazendeiro estava contrariado
com tanta despesa na manutenção dos parceiros e não ver nada de recompensa.
Mas o fazendeiro tinha graves desconfianças. Não
engoliu a história de que a faina era queimada. Na verdade, os irmãos haviam montado
um estratagema: sonegariam o produto do garimpo ao fazendeiro. Ao final da
temporada, anoiteciam e não amanheciam. Bem longe dali, dividiriam os diamantes
que haviam amealhado.
No o último dia de atividade, o irmão que atuava de
fora cresceu o olho e interrompeu a manivela para asfixiar o de dentro e ficar
sozinho com os diamantes. O fazendeiro chegou na hora com seus jagunços e ainda
ajudou a retirar o morto do fundo do rio. Deram um baculejo em regra no vivaldino
e lhe retiraram do boga um picuá de taboca lotado de gemas enormes e sem ganga.
O fazendeiro se refez dos prejuízos e o sócio maldito foi moído a pau feito um
gambá pelos jagunços. O entrevero rendeu assunto por anos. Inclusive cansei de
ver meu pai contando com orgulho, a quem quisesse ouvi-lo, que seu filho havia
adivinhado inteirinha aquela tragédia.
(Publicado no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em 15 de setembro de 2012)
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