Faz 190 anos que D. Pedro I sacou da espada à frente
de sua comitiva (às margens do ribeiro Ipiranga, hoje abafado pela cidade de
São Paulo) e berrou a plenos pulmões: Independência ou morte! (Pelo menos
Tarcísio Meira berrou no filme de 1972.) E, a partir desse gesto heróico, o
Brasil deixaria de ser colônia portuguesa para se tornar Reino do Brasil. E, é
claro, com os portugueses fornecendo a família real e mantendo a velha aliança
luso-britânica. A mesma que garantiu a remessa do ouro do Brasil-colônia à
Inglaterra a troco de segurança e manufaturas, inclusive ioiôs e bilboquês. A
cena do grito foi imortalizada pelo pintor paraibano, Pedro Américo, 66 anos
mais tarde. Ou seja, uma cena pintada a frio, de mera ficção. Como parece ser de ficção o país que nos
tornamos.
No ano 22 do século seguinte o Brasil deu outro grito,
através da Semana de Arte Moderna, com o intuito de se livrar da pintura
figurativa, do verso alexandrino, do soneto parnasiano e de outras fórmulas
impostas pela estética caduca. E abraçamos de corpo e alma as novas feituras
preconizadas pelas vanguardas européias. Nosso movimento verde-amarelo foi
europeu até a medula.
Agora não é 22, mas é 12, que tem lá seu respaldo
cabalístico, e o Brasil parece estar dando um outro grito. Agora contra a corrupção, contra
a máfia no poder. Veja aí a Operação Monte Carlo e o julgamento do
Mensalão. É claro que esse grito, assim
como tantos outros, não é capaz de afugentar todas as ratazanas que infestam
nosso celeiro, mas poderá coibir um pouco suas ações.
Um país é como uma rede. É preciso estar o tempo todo
vigilante contra os nós nos punhos. Ninguém sabe quem deu o nó, mas quem tem
rede em casa conhece o problema. Os nós aparecem como que espontâneos. Se não forem
desatados, a rede vai encurtando, ficando sem balanço, perdendo a comodidade. E
quando se avolumam, é mais fácil jogar a rede fora do que desatar os nós.
O Brasil é uma rede com muito nós. Porque as coisas
por aqui são feitas seguindo agendas secretas, por acordões selados em
gabinetes soturnos, nas caladas da noite. Veja o fim do Império, o fim da
escravatura, o fim das ditaduras Vargas e militar, os julgamentos de crimes
políticos, as licitações fajutas etc.
E há tantos nós-cegos, que parece quase impossível se
desatá-los. Ainda mais no grito. Caso emblemático é o das ferrovias. O lobby do
caminhão impôs a rodovia quando era oportuno construir vias férreas. Hoje esse
setor está no coração do dilema: o país não constrói porque não tem recursos e
não tem recursos porque não construiu quando devia. E assim o custo Brasil vai
garantindo o atraso crônico. Há ainda o nó do sistema eleitoral, da
desindustrialização, da segurança pública, do transporte coletivo, do arrocho
fiscal, da previdência, da saúde, da infra-estrutura, da educação, todos tendo
a corrupção como forte componente. São tantos nós nos punhos que nossa rede
deixou de ser um local agradável e de fruição para ser uma camisa de força, um
pau-de-arara, uma peça de tortura. Será preciso amiudar os gritos, se quisermos
um país decente.
(Publicado no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em 10 de setembro de 2012).
Imagem: O Grito - Pedro Americo
Imagem: O Grito - Pedro Americo
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