Dar presentes, ainda mais nas datas comemorativas, é
uma atitude salutar que sempre traz alegrias, para quem dá e para quem recebe.
E ainda faz o mercado girar numa boa, do jeito que precisa ser para definir o
nosso estilo de vida, baseado na produção e consumo. Mas nem sempre é assim.
Ano passado, D. Dorsina do finado Canguçu, à custa de economia forçada, mês a
mês, de sua mínima pensão, conseguiu comprar um forno microondas e dar de
presente a seu único filho, o Natalino
Canguçu, que mesmo não tendo mulher nem filhos, há 10 anos deixou a casa da mãe,
em Mundocaia, e se mudou para o Monchão do Cróis. Ali vai escapando à custa de
bicos de encanador e eletricista, mas na maior parte do tempo leva mesmo é vida
errante, entre malfeitores, vagabundos e garimpeiros.
A contrariedade começou na hora da entrega do
presente. Natalino tinha uns trampos, umas paradas em mente e teve que adiar
tudo para recepcionar a mãe em visita inesperada a seu pulguento barracão.
Depois, o presenteado, com cara desalegre, disse que o presente era bem micha,
para ele que era filho único e ainda se comemorava seu aniversário e o de Jesus
Cristo. Além do mais, alegou o filho, que ele agora adotara hábitos de rico, de
comer em restaurantes (obviamente de sobras no final do expediente) e que o microondas
não lhe era de muita serventia.
Desapontada, D. Dorsina foi mais cedo para a
rodoviária. Sozinha, esperou por horas o
próximo ônibus e retornou para
Mundocaia, não sem antes chorar, muitas vezes, ressentida pelo comportamento do
filho.
Chegou em casa e viu o cupom que a loja tinha lhe
dado, pela compra do microondas, para concorrer a uma camioneta. Pediu a
vizinha para preencher e no dia seguinte voltou à loja. Fazendo figa, depositou seu bilhete na urna,
junto a outros milhares que lá adormeciam também esperando ser animados por um
golpe de sorte.
Um mês depois um mensageiro bateu à sua porta lhe
dizendo que ela era a felizarda ganhadora da tão cobiçada camioneta. D. Dorsina
só não saltou de alegria porque se sentia um pouco idosa para saltar, mas
sorriu de uma orelha a outra, expondo a inteira banguelagem, coisa que há muito
não tinha motivos para fazer.
Passada a euforia, D. Dorsina contratou o vizinho
marreteiro para vender o carro, o que foi feito, sem demora. Pagou a
corretagem, depositou o resto na poupança da Caixa e deu início a uma reforma em
regra em seu barraco, que desde a morte do marido Canguçu nunca recebera um
nadinha de melhoria e estava bem despencado. Natalino ficou sabendo da
premiação e quis que a mãe lhe entregasse a camioneta. Afinal a origem dela era
a compra do presente que fora dado a Natalino. A mãe lhe contou toda a verdade
e Natalino ainda lhe deu uns empurrões. Foi embora bufando. Contratou um
advogado, que vai custear o processo para ficar com a metade de tudo. Agora D.
Dorsina tem essa pendenga com a justiça, onde responde por apropriação indébita,
ação de cobrança e perdas e danos morais. E este ano não teve vontade de dar presentes
a ninguém. Nem ao filho único, o ingrato
Natalino.
(Publicado no jornal O Popular em janeiro de 2013).
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