Agora vai



A prática tem mostrado que o Brasil só pega no tranco depois do Carnaval. Antes é aquela pasmaceira danada. A leseira do Natal emenda com a do ano novo, que passa pelas repugnas do ano letivo, pagamento de Iptu, Ipva, seguro do automóvel, falta de orçamentos estatais travando a circulação de recursos  e tal. Pelas leis os orçamentos deveriam ser aprovados no ano anterior, mas sempre ficam para o ano seguinte. É o nosso cacoete pessoal de fazer tudo depois da hora se transferindo para os hábitos do Estado.   

Ainda tem o balanço dos acidentes dos feriadões. Há sempre um parente ou um amigo, ou amigo de um amigo que se lascou de forma brutal e a gente tem que se enlutar. Vêm as chuvas diluvianas, a buraqueira jurássica nas estradas, os deslizamentos de terra sobre bairros inteiros que eram previsíveis, mas pegam todos de surpresa, porque a gente tem a crença de que Deus é brasileiro e como tal não deixa que coisas ruins nos aconteçam.  E ainda tem a promessa do governo em rede nacional de rádio e televisão de que “agora vai”.

Todo esse estado de coisas deprês nos liga ao carnaval. Nessa hora a gente pula e sacoleja feito possuídos num ritual de vodu, e se livra finalmente de toda inhaca acumulada na passagem do fim para o começo do ano.  Pronto. Agora estaremos preparados para o ano começar de fato. Dentro desse simbolismo, vejo que existe algo que é o núcleo das coisas reunidas para nos darem o sentido, a intuição positiva de que agora vai. 

Aqueles homens musculosos que ficam camuflados e empurram os carros alegóricos no sambódromo. Aqueles, sim, são o ponto fulcral do sentido de brasilidade. De uma nação grande, com muita coisa em cima, mas que fica dependendo de alguns poucos para empurrar, para fazer acontecer.  

Ao fim do ritual carnavalesco, aqueles marombeiros de humildade franciscana, que aceitaram se esconder numa festa que é pura exibição, estão liberados  para também empurrar o país. Porque o Brasil é um carro alegórico: muita pluma, muito auê, muito axé, muito ziriguidum e balacubaco, mas não possui motor de arranque em sua composição. É preciso ser empurrado a muque de gente. Só pega do tranco.

Assim mesmo depois que os outros competidores de nossa chave vão muito à frente, com seu PIB anual já com toda a farinha e curtindo o fermento, a gente começa a fazer a massa do nosso pibinho, quase um pão ázimo, daqueles de hóstia santa. Dizem que o Brasil é muito grande, feito uma galinha muito velha: gorda, lenta, só sobre no galinheiro empurrada e que bota ovos pequenininhos. Se bem que para uns poucos, esses ovos são do mais puro ouro, os legítimos 24 quilates.

Isso é nosso temperamento, o suprassumo, o resumo de todas as vontades reunidas e alambicadas. É o Brasil. É isso ou não é nada. Ainda bem que podemos contar com os empurradores de carros alegóricos. É verdade que eles, por estarem comprometidos com os afazeres relacionados às festas de Momo, não podemos dar a largada no mesmo momento de outros competidores.  Ruim com eles, piores sem eles. Sem esses empurradores estaríamos entrevados, pelo menos simbolicamente, para sempre.

    (Publicado no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em fevereiro de 2013)

1 comentários:

  1. Em reações deveriam constar mais opções, como: irônico, sagaz/perspicaz, estonteante e tal... Ê Edival - até rimou. Texto sagaz!

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