Qual é a coisa mais importante do mundo? Esta é sem
dúvida uma pergunta de resposta difícil. Poderíamos voltar os olhos para os
momentos iniciais da vida e dizer que o mais importante foi o carbono, que se
juntou com o oxigênio e deu origem aos primeiros “tijolos” de aminoácido, e
deles, num clima singularíssimo, acendeu a primeira centelha de vida. Veja só,
a pergunta era sobre uma só coisa e na resposta aventada já entraram pelo menos
umas seis: carbono, oxigênio, tijolos de aminoácidos, clima singular e centelha
de vida.
Ainda nessa linha de fatos ancestrais e desobedecendo
à exigência de mencionar uma coisa unitária, poderíamos então dizer que o mais
importante foi bóson de higgs, a partícula mágica que concedeu materialidade às
partículas imateriais pré-existentes, concedendo assim origem a tudo o que nossos
sentidos podem perceber, por si mesmo ou por meio de engenhos tecnológicos.
Mas a vontade que dá é de apontar coisas ainda
anteriores. Se o bóson de higgs, também apelidado de “a partícula de Deus”,
concedeu massa ao mundo, poderíamos aventar que o mais importante é o mistério
que se situa anteriormente a tudo isso. E um mistério dessa envergadura não
poderia receber outro nome senão de Deus. Mas dizer que o mais importante de
tudo é Deus é cair numa generalização dissipada que em nada contribui para
coisa nenhuma, a não ser para o bloqueio das faculdades racionais que nos diferem
do cachorro ou da minhoca. Se Einstein ou Newton pensassem assim jamais teriam
descoberto suas leis.
Vamos então fazer outra introdução aos fatos, a nossa in media res num mundo já estabelecido,
estável, com a civilização humana em andamento. Melhor definindo, a pergunta só
vale para as coisas em uso em nossos dias: o que é mais importante no mundo?
Uns dirão que é a roda, outros, o idioma com que cada povo se comunica. Poderia
ser a água, o fogo, o ar, a agricultura, a noção de cidade, a anestesia, o
antibiótico, a tesoura, a eletricidade, o carro, o computador. Sei lá, são
tantas coisas importantes e essenciais que a ausência de qualquer delas seria
capaz de estrangular nosso processo civilizatório. Mas eu arriscaria a dizer
que a coisa mais importante ainda não foi mencionada. A partir das coisas
estabelecidas como estão, sem atolar no lodaçal dos mistérios, eu diria que a
coisa mais importante, pelo menos para nós seres humano, é a memória. Sim, a
memória racional, capaz de lembrar-se dos fatos, acumular conhecimentos, cruzar
informações, misturar o conhecimento passado, com as projeções do futuro e
construir um presente dinâmico. Tudo o que existe em termos de percepção, só
existe por causa de nossa memória. O Alzheimer é a morte de tudo para quem
ainda está vivo.
Eu, você, a celebridade, a marca do Google, da
Coca-cola, tudo e todos só existimos porque há uma memória que dá credibilidade
a essa existência. Quem foi o ministro da guerra de Rodrigues Alves? Você não se lembra, nem eu. Para nós essa
pessoa inexiste. Não porque já morreu, mas porque, para nós, ela nunca terá existido. Daqui a 100 anos
todos nós estaremos mortos. Pior: seremos inexistentes, porque não haverá memória
que nos suscite. Até mesmo Deus, se não houver a memória humana para dar conta
de sua presença, deixará de existir, como algo perceptível.
(Publicado no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em maio de 2013)
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