“Itabira é apenas um retrato na parede mas como dói!” (Carlos Drummond de Andrade – em Confidência do Itabirano)
Aí estão elas: as ruínas do nosso amor. Enormes. Paredes
com frinchas e rachaduras. Pinturas vencidas, janelas quebradas, capins nos
beirais, portão sem trancas, trilhos emperrados. Portas que não fecham ou não
abrem mais, teto quebrado, goteiras por toda parte, piso podre, cupins no
madeirame. Teias de aranha nos ambientes, mofo entranhado, odor ruim. Quase
desmoronando. O que ainda está de pé se mantém a duras penas. Isto é o que
sobrou daquele amor edifício-de-marfim tão bonito e tão luzente que, no jardim
de nossa vida, construímos um dia. Pela força de nossos sonhos.
Aí está ele, no centro histórico de nossa existência.
Ninguém liga pra ele e não dispomos de recursos para restaurá-lo. Nossos braços
estão fracos, nossas pernas tremem, nosso corpo arqueja, nosso coração já não
bombeia o sangue necessário para nos suster de energia diante de tamanha empreitada.
Nossas vistas cansadas já não vislumbram um horizonte. O patrimônio histórico sequer
cogita de tombá-lo para que ganhe um significado novo, ainda que para as novas
gerações. O poder público não tem vontade política para tanto. O poder público
não dispõe de verbas para restaurar as ruínas do nosso amor.
Talvez o que nos reste agora seja, por conta e risco,
assumirmos o encargo da implosão final do que ainda está de pé. Assumirmos o
trabalho penoso e arriscado da remoção dos entulhos para um terreno baldio. Esses sonhos despedaçados, bem longe de
nossos olhos. Mas fazer tudo isso nessa hora amarga, quando já não temos força
nem disposição para a realização desse trabalho hercúleo?
Tudo isso dói. Talvez até mais do que a foto de
Itabira na parede de Drummond. Tudo isso dói, de uma dor que não sangra, porque
a pulsação já está enfraquecida pelos anos. Mas uma dor que nos desvanece a cada
dia mais, numa contagem regressiva, contínua e certamente fatal.
O que dói tanto nem é aquilo que fomos de verdade, da
vida que auferimos juntos e já exauriu.
O que dói de fato é ver o quanto sonhamos e do tão pouco que fizemos acontecer. É ver que a maioria dos sonhos compartilhados
murchou na florada sem resultar em frutos, muito menos sementes para serem
lançadas no solo do porvir.
O que dói não é
o que fomos, mas o que não conseguimos ser. O que ousamos pensar que seríamos e
nunca fomos. O que dói é o peso dos sonhos desfeitos que agora desabam sobre
nossos ombros, feito uma avalancha do passado. E que nos emperra tanto o
presente quanto o futuro. O que dói é saber que não temos uma segunda chance. A
prova da vida não admite segunda chamada. Não há mais espaços para novos sonhos
nas alturas de nossas vidas.
O que dói é ver em ruínas um empreendimento amoroso
tão belo, imponente e romântico, que um dia foi a nossa razão de ser.
(Publicado no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em maio de 2013)
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