Sempre tive o coração mole. Às vezes me emociono com
certas coisas, em certas situações, que são francamente inadmissíveis. Não sei
se sou equivocado de nascença ou comovido. Só sei que me enterneço com coisas muito
ordinárias. Agora, então, com a velhice chegando, me trazendo o senso de
arremate (ou seria de arremorra?), fico cada vez mais emocional.
Outro dia, a exemplo, na GO 020, onde passo com
frequência a caminho do sítio, entre Goiânia e Bela Vista, na altura do Km 15,
as máquinas que trabalham na duplicação da pista acabavam de estraçalhar um
capuão de carvoeiros na área de servidão da rodovia.
Os carvoeiros, árvores esbranquiçadas e altivas, que
até lembram as oliveiras do velho mundo, estão intimamente ligados à minha infância,
a meus sentimentos mais úmidos. Me
lembro que na casa de meu avô, numa chácara nos arrabaldes de Iporá, havia uma
touça de carvoeiros, de mais ou menos dois hectares, que formava um belo bosque
ao lado oeste. À tarde, as sombras das
árvores, estendiam-se do mato até à porta da casa, a proporcionar sobre a grama
uma penumbra confortável, com as galinhas ciscando, os cachorros correndo, e os
bezerros fugindo do sol. Nas árvores os pássaros cantavam à bandeira despregada.
Como sou o neto
mais velho, meu avô sempre foi apegado comigo e eu com ele. Então toda vez que
eu ia à casa de meu avô, o que não era muito frequente, devido à distância, ele
me preparava um balanço no bosque, que ele chamava de Matinho. Ficava horas comigo e às vezes até atrasava
seus afazeres de sitiante. Os balanços de meu avô, as horas que ele passava
comigo, representavam a coisa melhor do mundo.
Quando eu tinha 12 anos, pela circunstância triste da
morte de meu pai, fui morar com meu avô. Eu já estava grande demais para meu
avô brincar comigo nos balanços armados nos galhos de carvoeiros. Mas o bosque
estava lá, como um local aprazível. Quando os primos ou vizinhos apareciam nos
finais de semana, a gente ia brincar. Não de balanço, mas de subir nos
carvoeiros.
É que naquela época, uma praga de heras, do tipo
timbó, invadiu o bosque, e ele virou um cipoal medonho, com uma enorme cobertura,
em que a gente podia andar por cima. E era também muito bom para aquela fase de
minha vida. Com o tempo, as árvores na sombra foram enfraquecendo e definhando,
com brocas, fungos e quedas de galhos. Já bem velhinho e perto da morte, meu
avô me disse lamentoso, que o mato de carvoeiros estava morrendo junto com ele
(meu avô).
O capuão de carvoeiros da GO 020, de uns anos para cá,
tem me suscitado essas reminiscências: minha infância pobre e feliz e a bondade
infinita de meu avô. Ao passar pela rodovia na hora exata em que as máquinas
arrancavam brutalmente aquelas árvores tão simbólicas de um tempo mágico, senti
que uma dor enorme, gerada nas profundezas da alma, trafegou pelos dutos do
corpo e fez meus olhos marejar. Foi como se aquela morte instantânea dos
carvoeiros também provocasse a morte de alguma coisa em mim. Ainda não sei bem
o que morreu. Mas a dor eu já senti. E estou de luto.
(Publicada no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em julho de 2013)
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