A guerra que não vemos

Tenho lido resenhas e artigos afirmando que a Literatura não tem o mesmo prestígio de tempos atrás. Que no século 19 desfrutava de importância maior que no século 20, mesmo que no século 19 era maior o analfabetismo.  E que neste início de século 21 a Literatura desidratou-se ainda mais. Já virou lugar comum, e até enfadonho, comentaristas ávidos por causar impacto pregarem a morte da Literatura. 

O caso requer algumas considerações. Tudo o que existe é percebido pela nossa mente. Aquilo de que a mente não se ocupa é como se não existisse. A mente humana é o suporte de todos os valores simbólicos. E nossa memória está ficando pequena demais para tantas manifestações que demandam sua atenção. 

Na verdade, sofremos uma guerra nas entrelinhas pela ocupação de nossa memória. Pare um instante e veja ao redor a quantidade de marcas e produtos tentando lhe chamar a atenção. Na televisão, no celular, no computador, no rádio, no jornal, nos painéis, nos carros, na roupa da criança. O mundo virou um ambiente insalubre pela fúria da publicidade. As logomarcas atacam a gente o tempo todo como um enxame de vespas enfurecidas.  Todo mundo pedido atenção e fidelidade. Hoje uma empresa vale mais pelo espaço que ocupa em nossa mente do que mesmo pelo produto ou serviço que oferece. Quem conquista a mente ganha de brinde o coração. 

Segundo a psicologia aplicada ao marketing, quando pensamos em consumir algo, o primeiro lugar em que buscamos é nossa memória. Se determinado produto não estiver previamente ocupando um compartimento de minha memória as chances de que eu venha a adquiri-lo é remota.  Exemplo, se eu tenho vontade de beber um refrigerante e a marca que primeiro me vem à lembrança é Coca-cola, é muito grande a chance de que eu venha adquirir esse produto. E não outro que eventualmente esteja ausente de meus guardados mentais. Nossa mente é limitada e se ocupa de um único assunto de cada vez. Mas a guerra do mercado está nos habilitando a mudar de assunto com uma velocidade incrível, a ponto de os comunicólogos falarem no “uso sincrônico do tempo”. Ou seja. Ocupar-se de várias tarefas simultaneamente.    

E o que tem a ver a Literatura com todo esse trololó? É natural que com a diversificação da demanda, nossa mente se diversifique também para dar atenção aos vários estímulos. As mídias que vieram depois do livro têm muito mais apelo aos sentidos (cor, som, movimento, cruzamento de informações etc.). A leitura de um bom texto requer mente focada, atenção exclusiva, reflexão.  Enquanto as mídias eletrônicas se dão por satisfeitas com o uso da mente em fatias. 

Nesse ambiente de guerra pelas mentes e corações, o espaço para a boa Literatura é cada vez mais estreito, assim como é o espaço para a atenção à natureza, à família, à infância, aos velhos, aos vizinhos, aos amigos, à música mais elaborada, às instituições de classe etc. Mas sempre vai haver uma fatia residual de público, um nicho resiliente,  que não abre mão de uma leitura de qualidade.  E é para esse público que a Literatura continuará existindo.  Em termos de livro, a massa colonizada vai consumir mesmo é literatura supérflua, auto-ajuda e manual de instalação.    

  
(Publicada no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em setembro de 2013)

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