Nosso saldo de momentos bons

Existem no Brasil pelo menos dois painéis estatísticos que dão muito o que falar: um é o Impostômetro, afixado na fachada da Associação Comercial de São Paulo; o outro é o Sonegômetro, instalado perto do Congresso Nacional, em Brasília.  O primeiro mostra que cada brasileiro trabalha quase o primeiro semestre inteiro só para sustentar a máquina pródiga do estado. O segundo nos faz ver que a sonegação do Brasil é gigantesca, quase do tamanho do PIB de um estado como Minas Gerais.

É como se a estratégia do governo fosse a seguinte: Sei que vocês vão sonegar e, para compensar a sonegação, vou mandar a conta bem salgada. Numa lógica simplista e ingênua isso até pode parecer acertado. Mas, na prática, fomenta uma sociedade injusta e desigual, com desvios de conduta e resultados desastrosos. Aqueles que não podem ou não querem se organizar em máfias para dar o tomé no governo acabam esfolados vivos, sem condições de respirar economicamente. 

Os que se preparam para a sonegação criam uma vantagem competitiva espúria para si mesmos, em total prejuízo à coletividade. Essas máfias sonegadoras são matrizes de muitas organizações criminosas que tanto infelicitam a nação. A lógica é simples: quem já está com um pé no crime não custa pôr os dois e expandir os negócios para outras áreas de atuação, como a burla de licitações e o contrabando.   A solução para o impasse ainda não foi aventada, mas o que esses dois painéis nos mostram dá muito o que pensar e até desmoraliza os políticos que foram eleitos para resolver esses tipos de problemas  e nos dão a impressão de que nada fazem.

Mas enquanto a solução tributária não vem, imagine se a gente pudesse ter acesso a um painel estatístico, nos moldes dos dois citados. Não para saber de nossa vida tributária, mas que versasse sobre a vida que resta a cada um de nós. De posse de nossa digital, da granulação da pupila ou da mostra de saliva num cotonete, o painel pudesse nos apresentar o saldo de bons momentos que ainda podemos desfrutar. Aquelas coisas que não podem ser apreciadas pelo mercado, mas que na vida de quem vive de fato têm um significado verdadeiramente imensurável.

Ah, se houvesse um Vidômetro que nos mostrasse de quantas cenas de encantamento ainda vamos participar. Quanto sabiás-laranja ainda ouviremos no entardecer de outubro, clamando pela chuva que já se esboça no firmamento. Quantas primeiras chuvas com seu cheiro de infância, com seus relâmpagos dividindo o céu em compotas, ainda vamos assistir. Quantas luas cheias ainda vamos ver tingindo o horizonte que enquadramos de nossa janela. Quantas vezes ainda aquele netinho carinhoso virá correndo tropegamente pela grama, para nos abraçar. Quantas vezes ainda montaremos acampamento nas barrancas do rio de nossa preferência.  Quantas vezes ainda estaremos com pessoas queridas, falando de coisas que só a nós interessam. Quantos momentos ainda nos restam para ser nós mesmo, com toda inteireza, sem lembrar que existem impostos e sonegações.

De uma coisa não podemos esquecer: a vida é breve e imprevisível em sua brevidade. Posso ter ainda alguns anos pela frente ou nem ter tempo de apertar o ponto, no final desta frase.  

(Publicada no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em outubro de 2013)  

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