As desventuras de um senhor pimpão

No início dos anos 90 do século passado, o presidente Collor chamou os carros brasileiros de “carroças” (entendi que os consumidores seriam burros) e abriu caminho para as primeiras importações de veículos. Por motivos que nunca entendi bem, os primeiros carros a chegar por aqui foram os Lada russos. Carros de tecnologia mais arcaica do que os aqui fabricados, vindos de um país sem tradição na indústria automotiva. O curioso é que o nome desse carro na Rússia é Zhiguli, cuja pronúncia é algo como Gigolô. O nome foi alterado para Lada a fim de facilitar as vendas no Brasil. Mas chega de ladainha. Zico Falcão, sujeito rico e novidadeiro, foi o primeiro cidadão de Mundocaia a comprar um carro importado naquela abertura. E foi exatamente um jipão russo. Um Lada Niva: legítimo gigolô, portanto. 

Quando o carro chegou foi só alegria. Saía na rua e todo mundo virava a cabeça pra vê-lo passar. E quando parava, formava aglomeração de curiosos ao redor, passando a mão, fazendo perguntas e tecendo elogios.  Seu dono sentia-se uma verdadeira celebridade. O sucesso foi tanto que Zico Falcão aproveitou o ensejo para trocar de mulher. Abandonou a legítima, mãe de seus filhos, já meio trubufuda e cacarecada. Anexou-se a uma loirona magrela de olhos cinza, que os parentes e críticos, numa alusão à Rússia de seu carro, chamavam de Vadianova. 

Foi muito feliz por uns tempos. Mas depois o relacionamento com a loira azedou, o divórcio com a ex lhe custou os olhos da cara a ponto de inviabilizar seus meios de renda, o Lada deixou de ser novidade e passou a ser um estorvo. 

Sim, um estorvo. Muitos já haviam comprado Lada e arrependido. Carros americanos, japoneses e europeus, com tecnologia de ponta agora chegavam sem problemas. Dizia-se que “Um Lada é para sempre” ou “Ninguém compra um Lada; casa-se com ele.”  Um vizinho inglês até saudava Zico Facão na rua com a expressão jocosa: Good morning, sir Lada's husband!  (Bom-dia, marido de Sr. Lada!). Ou então os gaiatos gritavam: é com comunhão de bens? O que poderia ser tanto uma referência ao carro, à tal Vadianova, quanto às perdas de bens à ex-mulher. 

As coisas foram contrariando Zico Falcão e ele foi murchando, perdendo o viço. A mulher nova deu no pé e ainda lhe catou uma boa grana viva, do último terreno que vendera.  Os amigos escassearam, os parentes sumiram, os filhos envergonhados foram se arrumar em outras paragens. Sair na rua era uma gozação só. Por fim, muniu-se de coragem e levou o carro pra vender no Feirão da Praça dos Trogloditas. Depois de 10 domingos expondo a máquina, não tinha ouvido uma proposta sequer. Em contrapartida, ouviu gozações em ladainhas. Assim ele foi adicionando ao estado depressivo alguns elementos de fúria. Uma depressão furiosa. 

No último domingo, ante de uma plateia sequiosa por novidade e espetáculo, espalhou gasolina no carro e ateou fogo. Com as chamas no auge, Zico Falcão pulou no meio. E consumiram-se juntos, o carro e o próprio corpo, que há tempos não lhe davam prazer.

(Publicada no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em setembro de 2013).

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