Nossas provações de Jó

Tudo é breve e temerário. Mas há momentos de bonança em que você julga exercer controle sobre o destino e conduzir a vida com segurança e paz. Constrói um lar, uma carreira, um ciclo de amizades invejável, estabelece prole. Tudo isso depois de árdua luta, muito estudo, trabalho e firmeza de golpes em estratégias, táticas e planos operacionais, com lisura nos trilhos da ética.  

Você acaba se tornando portador da presunção de que finalmente chegou a hora e vez. Acredita que a vida agora está coroada de êxitos, feito uma pirâmide de chantilly numa taça de cristal, encimada por bago de cereja. Acredita que de fato tem a força e o jeito. Que os bons fluidos do mundo e as proteções sobrenaturais estão em conluio para fazer a boa condição ser duradoura, feito um mobiliário de cedro do Líbano. Que a felicidade é sua companheira fiel.  Que pode, com ânimo redobrado, empreender novas ações de efeitos ainda mais potentes e amplos. E assim cumprir os sonhos mais caros e ainda contribuir para o bem estar dos semelhantes. Num nível nunca antes imaginado.

No entanto, como no clima instável das cumeadas do Monte Everest, tudo muda. E muda tão radicalmente que nem dá tempo de vestir os equipamentos de proteção e segurança. Você sofre os maiores reveses e enfrenta penúrias que jamais sequer foram imaginadas. Seu ninho no mundo fica hostil.  É como se você entrasse, sem mais nem menos, em seu campo pessoal de provações de Jó. 

Acode-lhe a nítida sensação de que o mundo ordenado, até agora rodando com perfeição, vai retornar ao caos. Não sem antes lhe atropelar na última ribanceira da vida. Os supostos amigos se unem a inimigos secretos e invejosos de toda estirpe para lhe apunhalar, imputando-lhe falsos crimes e situações vexatórias. Os negócios líquidos e certos desandam, levando de roldão o investimento, o lucro, o trabalho e ainda deixa no lugar uma cratera de prejuízos impagáveis. Tanto no campo real, quanto no campo moral. Pessoas de sua mais inabalável confiança, aquelas com quem julgava contar quando não lhe restasse mais nada nem ninguém, até porque são tidas como portadoras de dívida de gratidão, de repente lhe dão as costas acintosamente, sem dó nem piedade. Como se você fosse um leproso medieval.  

 Vem o terremoto e abala os alicerces. Depois o vendaval acaba por espalhar as peças desajustadas. Suas últimas cédulas de dinheiro, que enxugavam no varal, voam remexidas ao vento. Seu corpo retorce na dor visceral, a pele se abre em feridas e vêm as moscas varejeiras e depositam larvas asquerosas naquilo de parco que restou de suas carnes. As veias gotejam, os tumores supuram, os ossos fraquejam e não há lugar para esperanças. Você quer morrer, mas lhe faltam forças para um empreendimento de tal envergadura. 

Se é assim que se sente, bem-vindo!  Você acaba de entrar no fogo do inferno em vida, em sua zona pessoal de provações de Jó. Por trás do vidro fumê ou das nuvens de ardósia no horizonte, refestelados em seus tronos de eternidade, lá estarão Deus e Satanás a lhe espreitar. Avaliam se sua fé é firme e desinteressada.  E até onde resistirá à penúria. Discutem sobre o problema do mal imerecido, o sofrimento do inocente, a prosperidade do ímpio. E ainda sobre outras questões sem consenso.  

(Publicada no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em setembro de 2013)

1 comentários:

  1. Esta crônica me fez lembrar o Inferno de Dante em "A Divina Comédia". É uma descrição forte, mas que nos leva a meditação. É importante que haja um Edival Lourenço para nos dizer............

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